A Prefeitura de Salvador lançou o Casa Odara, programa que vai oferecer melhorias na infraestrutura física de terreiros de religiões de matriz africana. Na cerimônia, realizada no Espaço Cultural da Barroquinha, no Centro, o prefeito Bruno Reis também assinou um decreto para promover a regularização fundiária dos terreiros, um pleito antigo dos povos e comunidades de terreiro.
Inspirado no programa Morar Melhor, o Casa Odara é um projeto inédito no Brasil. Os representantes dos terreiros poderão indicar as intervenções mais urgentes nos espaços, como reboco, pintura e substituição de telhado, com investimento de até R$30 mil por imóvel. O projeto-piloto envolve inicialmente 100 terreiros, todos eles cadastrados na Prefeitura. A meta é alcançar mil terreiros em quatro anos.
“Vamos dar o suporte para regularizar a documentação de vocês, dar a escritura – que é uma garantida para toda a vida – e vamos reformar os terreiros. Faço isso por compreender, como prefeito, que essa cidade tem alma. É preciso se enxergar e se colocar no lugar de cada um de vocês. E é isso que eu faço na minha atividade diária”, disse o prefeito.
Segundo Bruno Reis, uma mudança na legislação permitiu que a Prefeitura pudesse conceder o título de propriedade (e não apenas de posse). Além disso, a medida se tornou possível para atividades religiosas e comerciais – antes só podiam ser beneficiadas unidades habitacionais. “Isso representa a certeza, a garantia, de que aquela área é de vocês e ninguém jamais vai poder tirar, independentemente de quem seja o prefeito, o governador ou o presidente”, afirmou.
O chefe do Executivo municipal relatou ainda que, em visitas anteriores a terreiros, costumava ouvir também muitos pedidos por melhorias físicas nos espaços, o que motivou a criação do Casa Odara. “Daí veio a sensibilidade de criar um programa parecido com o nosso Morar Melhor, que é para unidades habitacionais e se tornou um verdadeiro sucesso”, disse.
Durante o discurso do prefeito, representantes do Terreiro da Casa Branca agradeceram uma ação recente da gestão municipal, que determinou a desapropriação de um terreno ao lado do terreiro, onde estava sendo construído um imóvel de forma irregular. Conforme decreto, a área terá finalidade cultural, com “objetivo de agregar o espaço do Terreiro Casa Branca, tombado Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)”.
Desenvolvido pela Secretaria Municipal de Reparação (Semur), o Casa Odara também tem a participação das secretarias municipais de Infraestrutura e Obras Públicas (Seinfra), da Fazenda (Sefaz), de Desenvolvimento Urbano (Sedur). Desde 2014, a Semur tem mapeado e já inscreveu quase 1,2 mil terreiros em Salvador, além de ouvir as demandas dessas comunidades.
Regularização fundiária – A secretária municipal de Reparação, Ivete Sacramento, pontuou que a regularização fundiária dos espaços religiosos era uma reivindicação antiga dos povos e comunidades de terreiro. A medida consta no Estatuto da Igualdade Racial e de Combate à Intolerância Religiosa.
“Um dos artigos do Estatuto é a regularização fundiária dos terreiros, que é um anseio histórico das comunidades de terreiro. Hoje o prefeito assina um decreto instituindo uma comissão para acompanhar cada situação”, afirmou a titular da Semur. A comissão é formada por representantes da Semur, Seinfra, Sedur, Secretaria Municipal de Gestão (Semge) e Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Secult).
De acordo com Ivete, haverá uma consultoria da Prefeitura para acompanhar e orientar as lideranças dos terreiros, com o objetivo de regularizar a documentação para efetivamente promover a regularização fundiária.
As ações de regularização fundiária contarão com a parceria de um cartório de Salvador, concedendo gratuitamente a escritura do terreiro, permitindo assim que o templo religioso possa ter acesso a diversos benefícios, a exemplo da isenção do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).
Líderes religiosos destacaram a importância das ações da Prefeitura. Para o Doté Jeziel Anjos, do Terreiro Humpayme Dan, a regularização fundiária é uma forma de reparação histórica. “A história da suposta abolição sugere isso. O negro liberto não teve terra, então foi para a periferia. O povo do candomblé foi para as pontas. É necessário que haja essa reparação, para dar autonomia ao povo preto, ter essa liberdade verdadeira. Porque você não pode movimentar o que não é seu”, disse.
“A fala do prefeito foi muito importante, nos garantindo a nossa posse e a nossa estrutura, que é algo pelo qual lutamos há anos. Esperamos que essas 100 casas sejam multiplicadas por mil. Isso é a garantia do prefeito”, afirmou a Iyá Neuza de Xangô, do Terreiro da Casa Branca.