Os brasileiros com mais de 40 anos têm fácil memória das estratégias das famílias para mitigar os efeitos da hiperinflação sobre a renda nos anos 1980 e 1990. “Era uma ginástica danada. Tinha que ir atrás de promoções e nem sempre eram suficientes”, conta Rute Maria de Souza, dona de um restaurante self-service há quase 30 anos na zona central de Brasília.
Tendo que repor constantemente a dispensa da cozinha do estabelecimento, a empresária ia mais de uma vez ao dia em supermercados e sempre via a mesma cena: “Eu me lembro das remarcações no mercado. Quando chegava, lá estava a maquininha trabalhando”.
Para fugir das intermináveis remarcações, a então professora de ensino fundamental Cléia Gerin, mãe de quatro filhos, estocava alimentos, material de limpeza e sabão para lavar roupa. “O feijão ficava velho, e assim era mais difícil de cozinhar. Acabava que gastava mais gás”, comenta, ao citar a necessidade de sempre comprar mais do que efetivamente precisava no mês para fugir da imparável subida de preços.
“A partir do momento em que recebia, era aquela loucura de ir ao mercado para comprar o máximo que pudesse, para durar o mês todo, e para não ter que voltar porque no dia seguinte o preço seria diferente”, descreve ao recordar os tempos de inflação galopante.
Apesar das dificuldades, Cléia era professora da rede pública do Distrito Federal e tinha a segurança do pagamento todo mês. Em alguns momentos, era acrescido em sua remuneração um “gatilho” para repor as perdas inflacionárias.
Essa hipótese não existia para todos os brasileiros, como João Batista, engraxate há 45 anos em um ponto no Setor Comercial Sul de Brasília. Ele não podia majorar o preço do serviço quando precisava atualizar sua remuneração. “Só podia aumentar quando a passagem [do ônibus] aumentava”, revelando um incidental indexador da renda para trabalhadores autônomos.
A vida de João Batista foi positivamente marcada pela estabilidade monetária após o Plano Real. “Eu não tinha nada. Hoje, graças a Deus e de tanto eu trabalhar, consegui minha casa, consegui formar meus filhos”, orgulha-se.