Uma data de celebração de lutas e vitórias. O 21 de janeiro é o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa e, neste quesito, Salvador tem atuado ativamente, com ações que beneficiam religiões de matriz africana na cidade. As iniciativas partem da Secretaria Municipal da Reparação (Semur), em parceria com a sociedade civil através do Conselho Municipal das Comunidades Negras (CMCN).
A data é uma homenagem à Mãe Gilda de Ogum, do Ilê Axé Abassá de Ogum, localizado no Abaeté. Ela faleceu no dia 21 de janeiro de 2000, por conta de problemas de saúde oriundos de agressões morais frutos da intolerância religiosa. A filha dela, Mãe Jaciara, considera uma data de dor, porém importante para relembrar a luta diária.
“Sou uma ativista de todos os dias, do ano todo, então acho importante relembrar da luta contra a intolerância não só nesta data. A grande importância para mim é, além de denunciar, falar como estão os índices, como as denúncias têm crescido, como pautamos as políticas públicas para atenuar este ódio religioso das igrejas fundamentalistas contra nosso povo”.
De acordo com Alison Sodré, coordenador de Reparação e Promoção da Igualdade Racial da Semur, desde a conferência de Durban em 2001, foram criadas políticas para trabalhar a questão étnico-racial, e nessa temática tem a presença dos povos de comunidades seccionais ou dos terreiros e correlatos. O gestor salientou que, há 13 anos, a pasta já faz este tipo de ação, mostrando à sociedade civil e aos órgãos governamentais a importância de ter uma isonomia, sendo estado laico, e como tratar as políticas e adeptos das crenças.
“A gente sabe que Salvador é uma cidade com uma população de 82% de negros e que tem a sua pluralidade e diversidade também na relação com a religião. Os soteropolitanos têm um sincretismo muito forte. As pessoas vestem branco dia de sexta-feira, que nas religiões de matriz africana é dia de saudar Oxalá, mas você vê pessoas que ainda até hoje demonizam o candomblé por conta desse processo que muitas vezes vem da igreja. Esses são embates de intolerância religiosa daqueles que não respeitam os espaços sagrados e entram em conflito com o povo que cultua essa religião”, afirmou.
Racismo institucional – Nos últimos anos, a Semur recebeu um pedido para dar atenção ainda maior às ações. Por isso, existem uma série de iniciativas voltadas para isso. O carro-chefe do órgão é o Programa de Combate ao Racismo Institucional (PCRI), que vem trabalhando a relação internamente nas secretarias. “Arrumando a casa para depois fortalecer os programas já existentes”, disse Souza. O programa, inclusive, capacitou agentes de limpeza da Limpurb, para que soubessem lidar com a questão das oferendas colocadas nas ruas da cidade, de forma a respeitar os ritos religiosos.
Hoje, além do PCRI, a Semur atua com o cadastramento de terreiros, que é considerada uma ação efetiva, com o reordenamento e credenciamento com seus nomes oriundos da sua natureza e não fictícios para ocultar sua crença. Além do cadastramento, é feito um mapeamento com georreferenciamento dos terreiros em parceria com a Fundação Mário Leal Ferreira (FMLF) e a Secretaria Municipal da Fazenda (Sefaz), que garante isenção fiscal para vários desses espaços religiosos na cidade. Souza destacou ainda o Observatório da Discriminação Racial, que funciona inclusive no Carnaval coletando denúncias, dando apoio institucional e auxiliando no encaminhamento da vítima ao Ministério Público ou Defensoria Pública.
Outro ponto positivo é o Selo da Diversidade Étnico-Racial, onde são desenvolvidas ações de equidade racial e sensibilização das instituições. Ao final do período de avaliação, as empresas recebem uma certificação, que é renovada anualmente e pode vir a ser cancelada se houver descumprimento das diretrizes. Também está em tramitação o Estatuto da Igualdade Racial, com ações que já estão sendo colocadas em prática pela Semur.
Conselho – O Conselho Municipal da Comunidade Negra (CMCN) é um grande parceiro da Semur, composto por representantes da sociedade civil. O presidente Evilásio Bouças destaca a presença de representações que acompanham as políticas públicas desde 2004: além de acompanhar as ocorrências recebidas na secretaria, também atua como um ouvidor social. Graças a isso, hoje diversas ruas no entorno dos terreiros receberam requalificação asfáltica, nova iluminação, além de participar das ações da Prefeitura no âmbito interno.
A atuação do conselho também é importante no combate ao preconceito. Bouças confessa que sente mudanças no combate à intolerância em Salvador, mesmo que mínimas, mas que os debates inter-religiosos, as ações do Ministério Público e a divulgação na mídia ajudam no enfrentamento. E os pedidos de auxílio aumentaram, principalmente “devido ao entendimento equivocado de ‘livre arbítrio e liberdade de expressão’ e do conservadorismo exacerbado”. As vítimas entram em contato com o CMCN através de telefone ou e-mail e, a partir daí, é feito todo o encaminhamento necessário.
Hortas de Folhas Sagradas – Ainda em parceria com a Prefeitura, uma iniciativa conjunta com a Secretaria de Sustentabilidade e Resiliência (Secis) também tornou possível um estudo de viabilidade técnica para criação de hortas nos terreiros. Nos espaços religiosos, deve ser feito o plantio de mudas específicas e que são comumente utilizadas nos cultos e rituais das religiões de matriz africana.
Entre hortaliças para consumo gastronômico e folhas utilizadas em cultos de religiões de matriz africana, as mudas disponíveis no plantio incluem manjericão, alfazema, alecrim, lavanda e hortelã. Até o final do primeiro semestre deste ano, outras três hortas sagradas devem ser entregues em terreiros da cidade.